Xangô
Como personagem histórico, Xangô teris sido o terceiro Alafin Oyo, Rei ( Senhor do Palácio) de Oyo. Era filho de Oranmiyan e de Torossí, esta filha de Elempe, rei dos Tapa, que tinha firmado uma aliança com Oranmiyan. Xangô cresceu no país de sua mãe indo se instalar, mais tarde, em Kosô, onde os habitantes não o aceitaram por causa de seu caráter violento e imperioso; mas ele conseguiu, finalmente , impor-se pela força. Em seguida, acompanhado pelo seu povo, dirigiu-se para Oyo, onde estabeleceu um bairro que recebeu o nome de Kosô. Conservou, assim, seu título de Oba Kosô que, com o passar do tempo, veio a fazer parte de seus Orikis (louvores).
Dadá-Ajaká, irmão consangüíneo de Xangô, filho mais velho de Oranmyian, reinava em Oyo por essa época. Seu caráter era calmo e desprovido da energia necessária a um verdadeiro chefe. Xangô o destronou e Dadá-Ajaká exilou-se em Igboho, durante os sete anos de reinado de seu meio-irmão. Teve que se contentar, então, em usar uma coroa feita de cauris, chamada Adé de Bayani. Depois que Xangô deixou Oyo, Dadá-Ajaká voltou a reinar. Em contraste com a primeira vez, ele mostrou-se, agora, valente e guerreiro e, voltando-se contra os parentes da família materna de Xangô, atacou os Tapa, sem grande sucesso.
Xangô, sob seu aspecto divino, é filho de Oranmyian, tendo Yamassé como mãe e sendo marido de três divindades: Oyá, Oxun e Oba, que se tornaram rios no país Yorubá.
Xangô é viril e potente, violento e justiceiro, castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitores. Por este motivo, a morte pelo raio é considerada infamante. Da mesma forma, uma casa atingida por um raio é uma casa marcada pela cólera de Xangô. O proprietário deve pagar pesadas multas ao sacerdotes do Orixá que vêm procurar, nos escombros, os Edun Ará ( pedras de raio) lançados por Xangô e profundamente enterradas no local onde o solo foi atingido.
Este Edun Ará (na realidade machados neolíticos ) são colocados sobre um pilão de madeira esculpido, odô, consagrado a Xangô. Tais pedras são consideradas emanações de Xangô e contém o seu Axé - o seu poder. O sangue dos animais sacrificados é derramado, em parte, sobre suas pedras de raio para manter-lhe a força e a potência. O carneiro, cuja chifrada tem a rapidez do raio, é o animal cujo o sacrifício mais lhe convêm. Fazem-lhe, também, oferecimentos de Amalá, iguaria preparada, com farinha de inhame regada com um molho feito com quiabos. É no entanto, formalmente proibido oferecer-lhe feijões brancos da espécie Sesé. Todas as pessoas que lhe são consagradas estão sujeita à mesma proibição.
O emblema de Xangô é o duplo machado estilizado, Oxé, que os seus iniciados trazem na mão, quando em transe.
O chocalho, chamado Xeré, feito de uma cabeça alongada, contendo pequenos grãos, é sacudido em honra a Xangô. Convenientemente agitada, quando são anunciados os seus louvores, este instrumento imita o barulho da chuva.
As saudações, Oriki, que seus fiéis lhe dirigem não deixam de ter certa graça e mostram a sua forte personalidade:
Ele ri quando vai à casa de Oxun.
Ele fica bastante tempo em casa de Oyá.
Ele usa um grande pano vermelho.
Elefante que anda com dignidade.
Meu senhor, que cozinha o inhame com o ar que escapa de suas narinas.
Meu senhor, que mata seis pessoas com uma só pedra de raio.
Se franze o nariz, o mentiroso tem medo e foge.
Xangô é o irmão mais jovem, não somente de Dadá-Ajaká como também de Obaluayê. Entretanto, não são os vínculos de parentesco, ao que parece, o que permite explicar a ligação entre o deus do trovão e os das doenças contagiosas mas , sim, prováveis origens comuns no país Tapa.
Neste lugar, Obaluayê seria mais antigo que Xangô e, por deferência para com o mais velho, em certas cidades como Saketé e Ifanyin, são sempre feitas oferendas a Obaluayê, na véspera da celebração das cerimônias para Xangô.
O pai de Xangô, Oranmiyan, tornou-se, como dissemos acima, o primeiro rei de Oyo e o fundador da dinastia dos Alafin Oyo. O mito da criação do mundo, tal como é contado em Oyo, atribuiu este ato a Oramiyan e não a Odudúa. Estes dois personagens são os fundadores das respectivas linhagens reais de Oyo e de Ifé, o que bem demonstra que o mito da criação do mundo é, de uma parte e de outra, o reflexo da lenda histórica sobre a origem das dinastias que dominam esses dois reinos.
A supremacia estabelecida por Oramiyan sobre seus irmãos nos é contada numa lenda recolhida, em Oyo, no século passado, por Jean Hess:
"No início, a terra não existia. Em cima era o céu, embaixo era a água. E nenhum ser animava a terra ou animava a água. Ora, o Todo Poderoso Olodumaré criou, no início, sete príncipes coroados. Fez aparecer em seguida sete sacos onde haviam búzios, missangas e tecidos, uma galinha e vinte e uma barras de ferro. Fez, também, com tecido preto, um volumoso pacote do qual não se via o conteúdo. Criou, enfim, uma longa corrente de ferro com a qual prendeu os tesouros e os sete príncipes. Depois, deixou que tudo caísse do alto do céu. No limite do vazio não havia senão água. Olodunmaré lançou uma noz de palma que caiu na água e, no mesmo momento uma palmeira se levou em direção aos príncipes, oferecendo-lhes um abrigo no desabrochar de seus galhos. Os príncipes aí se refugiaram e se instalaram com suas bagagens. A corrente de ferro voltou ao Todo Poderoso.
Eram todos príncipes coroados e, por conseqüência, todos queriam comandar. Resolveram se separar a fim de seguir os seus destinos. Os sete príncipes decidiram dividir, entre eles, a soma do tesouro que o Todo Poderoso lhe havia dado. Os seis mais velhos pegaram os búzios, as contas, os tecidos e tudo que julgaram precioso. Deixaram ao mais jovem, Oranmyian, o pacote de tecido preto. Ele o abriu e encontrou uma grande quantidade de substância preta que não conhecia. Sacudiu o tecido. A substância caiu na água e tornou-se um montículo. A galinha para lá voou e, logo que pousou, começou a raspar com os pés e com o bico a substância preta que se estendeu por todos os lados. O montículo foi se alargando e tomando, progressivamente, o lugar da água. Eis como nasceu a Terra, segundo a vontade do Todo Poderoso... Eis como Oraniyan tronou-se rei de Oyo e soberano de todo país Yorubá, quer dizer, de toda a Terra".
O culto de Xangô é muito popular no Novo Mundo, tanto no Brasil como nas Antilhas. Em Recife, seu nome serve mesmo para designar o conjunto de cultos africanos praticados no Estado de Pernambuco. Na Bahia, seus fiéis usam colares vermelho e branco, como na África. Quarta-feira é o dia da semana que lhe é consagrado. Assim que saudam, gritando: Kawo-Kabiyisilé!, "Venham ver o rei descer sobre a Terra!" Os tambores Batá não são conhecidos no Brasil, embora ainda o sejam em Cuba, mas os ritmos batidos para Xangô são os mesmos.
São ritmos vivos e guerreiros, chamados Tonibodé e Alujá, e são acompanhados pelos ruídos dos Xerés, agitados em uníssono. No decurso de suas danças, Xangô brande orgulhosamente seu machado duplo e assim que a cadência se acelera ele faz o gesto de quem vai pegar num saco Labá, pedras de raio e lançá-las sobre a Terra. O simbolismo de sua dança deixa, a seguir, aparecer seu lado licenciosos e atrevido.
No decorrer de certas festas, Xangô aparece frente à assistência, trazendo sobre a cabeça um Agerê, panela cheia de furos, contendo fogo, e começa a engolir mechas de algodão inflamadas, denominadas Akará, como na África.
Na Bahia, segundo consta, existem doze Xangôs: 1. Dadá; 2. Obá Afonjá; 3. Obalubé; 4. Ogodo; 5. Obá Kosô; 6. Jakuta; 7. Aganju; 8. Baru; 9. Oranmiyan; 10. Airá Intilé; 11. Airá igbonán; 12. Airá Adjaosi.
Reina uma certa confusão nesta lista, pois Dadá (1) é irmão de Xangô, Oranmiyan (9) é seu pai e Aganju (7), um de seus sucessores. Na Bahia acredita-se que Ogodo (4)é originário do país Tapa e que segura dois Oxés quando dança, sendo o seu Edun Ará composto de dois fios. O Airá (10 a 12) seriam Xangôs muitos velhos, sempre vestidos de branco e usando contas azuis, Seji, em lugar de corais vermelhos, como os outros Xangôs. Ao que parece, teriam vindo da região de Savé.
Xangô foi sincretizado com São Jerônimo, no Brasil, e com Santa Bárbara, em Cuba. Já assinalamos, anteriormente, o caráter estranhos de semelhantes escolhas.
Na Bahia, quando uma festa é celebrada em honra de Dadá, irmão mais velho de Xangô, a cerimônia parece conter reminiscências de fatos antigos, sem que os participantes saibam, muitas vezes as histórias dos Yorubás. O Iaô de Dadá vem dançar frente a assistência, tendo na cabeça uma coroa, o Adê de Bayani. Logo depois, Xangô montado sobre um (ou uma) de seus iniciados, toma a coroa, colocando-a sobre sua própria cabeça. Após ter dançado assim adornado por um certo tempo, a coroa é restituída a Dadá.
Este elemento do ritual parece ser uma reconstituição do destronamento de Dadá-Ajaká por Xangô, e sua volta ao poder sete anos mais tarde.
O arquétipo de Xangô é aquele das pessoas voluntariosas e enérgicas, altivas e conscientes de sua importância, real ou suposta. Das pessoas que podem ser,. ao mesmo tempo, grandes senhoras, corteses, mas que não toleram a menor contradição e, nestes casos, são capazes de se deixarem levar por crises de cólera, violentas e incontroláveis. Das pessoas sensíveis ao charme do sexo oposto e que se conduzem com tato e encanto no decurso de reuniões sociais, mas que podem perder o controle e ultrapassar os limites da decência. Enfim, o arquétipo de Xangô é aquele das pessoas que possuem elevado sentido de sua própria dignidade e de suas obrigações, o que as leva a se comportarem com um misto de severidade e benevolência, segundo os humores do momento, mas sabendo guardar, geralmente, um profundo e constante sentimento de justiça.
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