A LÓGICA DO CANDOMBLÉ (XIRE)
As casas de tradição SEMPRE começam suas cerimônias públicas cantando para o Deus Exú (seja no ritual do Ipade, quando necessário, ou apenas oferencendo-lhe sua comida votiva, rogando à este Deus que os trabalhos transcorram sem perturbações e que as orações dos devotos cheguem ao Orun), e logo após, para os Deuses: Ogun, Agué, Oxóssi, Obaluaiye, Nana, Bessen, Ewa, Xangô, Loko, Oya, Obá, Ossum, Logun-Edé, Ibeije, Yemonja e Osala.
Ninguém nunca se perguntou o porque de seguirmos esta ordem? Ok, combinemos que começar por Exú é um tanto quanto lógico, visto ele ser o Deus guardião e mensageiro. Mas porquê Ogun em seguida? Oxossi? Somente por serem irmãos?
Por volta de 1830, chega ao brasil o africano Bamgboxe Obitiko, adotando o nome de Rodolpho Martins de Andrade, trazido por Iya Nasso. Bamgboxe Obitiko ajuda a estruturar o que conhecemos hoje por candomblé Ketu no que toca à cerimônia pública, além de codificar o jogo de ifá para o conhecido jogo com 16 búzios, trouxe também para o Brasil a “roda de Xangô” formada como ritual invocatório das demais divindades do panteão Yorubá.
As casas que descendem de Iya Nasso, fundadora do terreiro da Barroquinha, utilizam a forma de deixada por Bamgboxe Obitiko em seu xire. Porém, qual seria a lógica de raciocínio que o negro Bamgboxe juntamente com Iya Nasso utilizou-se para formar o sistema que conhecemos?
A partir de Ogun, que segundo suas lendas, foi o primeiro Orixá à descer ao Aiye pisando em um igi ope (palmeira do dendezeiro), notamos que os Orixás subseqüentes são todos os chamados Orixas LÓDÈ (Orixas que habitam o lado de fora), estando entre eles, Obaluaiye, Ossayn, Nanã, Oxumare, Yewa e Oxossi. Chamo a atenção para o seguinte detalhe: assim como os Orixas cultuados pelo nação de ketu, os odús codificados por Bamgboxe no jogo de búzios também são em número de 16, começando sua leitura por Odú Okaran, caída esta em que “fala” o Deus Exú, justamente o primeiro a ser saudado no xire dos Orixas. Aliás, posso ir mais longe e mencionar que a “ultima” caída do jogo de búzios, a de numero 16 é ÀLÁÀFIÀ, que à grosso modo significa perfeição, sucesso e felicidade… Certo?
Ou seja, Bamgboxe utilizou-se do mesmo raciocínio no momento de codificar e enumerar os odús do jogo de búzios, como quando estruturou a seqüência do xirê. Possivelmente, acreditava que a partir de Exú, os Orixás representavam formas de energias diferentes (Deuses do fogo, da guerra, da caça, da terra, dos ventos, das águas, etc…).
À titulo de curiosidade, os 16 principais odús (que geram combinações entre si chamadas Omo-odús) possuem sua ordem de chegada ao Aiye diferente daquela que o método de búzios transcrito por Bamgboxe considera. Exemplo: O primeiro Odú à ser enviado à terra por Olodumare fora Ejí Ogbe, o qual consideramos como sendo a caída conhecida como Ejíonilê, o oitavo odú da leitura dos búzios.
A partir daí, percebe-se que no momento que entoamos as cantigas de cada Orixá no xire, estamos na verdade reverenciando e, porque não, invocando uma energia especifica, energia essa que pode ser “percebida” e traduzida através do método divinatório utilizado dentro das roças de santo.
Acreditem, não é à toa que o Oxossi, o Deus da caça e da fartura, que traz os alimentos para seu povo, “fala” através da caída de numero 6, conhecida como Odú Obará, que segundo os itans, fora o odú mais rico e prospero.
Por falar em Itans, quem os conhece conhece também a religião. Porém o Candomblé não é formado somente por lendas e mitos deixados pelos antigos, e sim por costumes e convenções que os verdadeiros sábios mantiveram até os dias de hoje.
O senhor Rodolpho com toda certeza não tirou todas essas conclusões por pura conveniência, e sim de todo o seu conhecimento adquirido como Oluwo. O que ele fez, foi transformar o seu abastado conhecimento em convenções e costumes para que seus descendentes os seguissem.
Ainda assim, eu humildemente considero que a maior herança que Obitiko nos deixou de maneira intrínseca, perceptível apenas pelos olhos e ouvidos daqueles que possuem as mentes que voam longe na curiosidade e na vontade de conhecer a fundo o culto dos deuses negros, foi a maneira lógica de raciocinar no momento de cultuá-los, e não podemos ser pretensiosos ao achar que conhecemos o Orixá apenas por conhecer lendas, rezas e cantigas. Passamos a conhecer o Orixá quando procuramos perceber a sua essência, a sua maneira de olhar seus filhos, quando admitimos que somos mais parecidos com o Orixá do que pensamos – ou ao menos deveríamos ser – e assim, possamos buscá-lo dentro de nós mesmos.
Pai Jorge de Oxossi
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