Obaluaê
Sua origem, assim como a de sua mãe, Nana está na cultura daomeana, assimilada pela cultura iorubá, num lento processo de aculturação.
Supõe-se que o culto aos deuses do Daomé, especialmente a Nana e a Omulu-Obaluaiê, seja anterior à Idade do Ferro, pois são realizados sacrifícios sem o emprego de instrumentos de ferro, "indicando que essas duas divindades faziam parte de uma civilização anterior à Idade do Ferro e à chegada de Ogum".
Omulu, inicialmente, era chamado de Sakpatá, entre os jejes e de Xapanã, entre os iorubás, denominações que significam "aquele que corta e mata", devido ao seu papel de orixá da varíola e das doenças contagiosas. Mas, como pronunciar seu nome era considerado perigoso; passou a ser chamado de Ayinon (rei da terra), no Daomé, e de Obaluaíê (rei do mundo) e Omuiu, pêlos iorubás.
Do mesmo modo que acontece com quase todos os outros orixás, existem várias qualidades de Omulu-Obaluaiê: formas guerreiras e não guerreiras, etc., mas todos podem ser resumidos nas for- mas básicas do velho e alquebrado Omuiu e do moço Obaluaíê. Neste outro mito aparecem tanto Omulu quanto Obaluaíê, com o nome de Xapanã: Xapanã tinha quinze anos quando foi expulso da casa de seu pai. Andando pelo mundo não encontrou ninguém que lhe desse emprego, nem esmolas.
Então, se refugiou no mato, comendo folhas e bichos. Aos dezenove anos resolveu voltar para casa, onde chegou, coberto de feridas. O pai recusou-se a recebê-lo alegando que não tinha nenhum filho "feridento". Com a insistência da mãe, o pai escuta Xapanã cantar um Kêtu e então o reconhece.
Omulu tem várias denominações: é Duzina ou Sakpatá (Daomé), Caviungo ou Cajandá (Angola), Quincongo (Congo), Gargamela (Cambindas), Azoan\ (Marruino).Neste mito, Omulu é filho do primeiro Oxalá e da primeira Nana, sendo ele o segundo dos cinco filhos homens deste casal: "Quando Oxalá dividiu seu reino entre os cinco filhos, cada um foi para uma terra. Quando chegou a vez de Omulu, ele disse: - Eu não quero nada não.
Só quero o senhor. Só me serve o senhor, não quero mais nada. Aí o pai fez a vontade dele.
Passaram os anos e Oxalá não pode mais governar. Então, entregou o trono a ele. E Omulu mudou o nome e ficou se chamando Obaluaiê - o rei universal." Omulu é o médico dos orixás e o senhor da cura das chagas e de outras moléstias, tanto quanto o orixá soturno e perigoso, dono das doenças epidêmicas, especialmente a varíola.
E uma divindade da terra, tanto do solo quanto do subsolo. Tanto que, quando Xangô é o vulcão, tem que pedir permissão a Intoto (nome de Omulu quando representa a terra), para rachar a terra. A varíola seria um instrumento de justiça e vingança do orixá. Assim como Exu, Omulu só castiga aqueles que o desrespeitam.
Obaluaiê liga-se ao mistério da morte, à terra para onde voltarão os corpos e aos segredos da vida após a morte. E é sob a forma de Omulu que ele exerce o papel de guardião dos mortos. Nesse poder de transformação dos corpos está a doença e seu oposto: a cura. Vejamos outra história sobre este orixá: Nana era considerada a deusa mais guerreira do Daomé.
Um dia, ela foi conquistar o reino de Oxalá e se apaixonou por ele. Mas ele não queria se envolver com outro orixá, já que amava sua mulher Yemanjá. Então, Oxalá explicou tudo a Naná.
Esta, não se deu por vencida. Sabendo que Oxalá adorava vinho de palma, embriagou-o e seduziu-o. Nana ficou grávida. Mas, por ter transgredido uma lei da natureza, deu à luz um menino horrível. E não suportando vê-lo, lançou-o no rio.
A criança foi mordida por caranguejos, ficando toda deformada. Por sua aparência, passou a viver longe dos orixás. De tempos em tempos, os orixás se reuniam para uma festa. Menos Obaluaiê, que ficava espreitando da porta, com vergonha de sua feiúra.
Percebendo o que acontecia, Ogum ficou com pena e resolveu ajudá-lo: trançou uma roupa de fibra de palmeira {mariwó) que lhe cobria todo o corpo. Com este traje, ele foi participar da festa, despertando o interesse de todos, que queriam saber quem ele era. A mais curiosa, lansã, aproximou-se.
Nesse momento, formou-se um turbilhão e o vento levantou a palha, revelando um moço muito bonito. Desde então, lansã e Obaluaiê vivem juntos, tendo o poder de reinar sobre os mortos. No Brasil, Omulu é festejado na segunda-feira, juntamente com Exu.
O grande número de escravos mortos durante as epidemias de varíola, tornou Omuiu um orixá perigoso, sendo conveniente agradá-lo logo no início da semana.
Em parceria com Exu, Ogum e Xangô, anda pêlos caminhos e encruzilhadas. Nos candomblés, a casa de Omuiu e a de sua mãe, Nana, se localizam fora da habitação principal.
Também na África, os templos de Nana e de Xapanã ficam fora da aldeia. No seu pé, isolado, só entram os sacerdotes.
Como sua mãe, Omulu também é considerado o orixá dos velhos. A propósito da relação Nanã- Obaluaiê, conta-se que a única divindade capaz de conter a fúria de Omuiu é sua mãe, Nana Buruku.
Apesar da aparência de fraqueza e do seu caminhar lento devido à doença, Omuiu traz consigo a ideia de perigo, assim como de força e de poder. Omulu veste-se com tecidos pesa- dos, com florões.
Leva, sobre o tecido, uma saia bem comprida de palha-da-costa desfiada - o mesmo material de que é feito o capuz (aze) que leva sobre a cabeça e que vai até os joelhos, bordado com búzios e miçangões, com as suas cores. Traz o rosto coberto para impedir a visão das chagas produzidas pela doença.
Seus fios de contas são brancos rajados de preto ou pretos-brancos-vermelhos; suas vestes também têm essas cores (o branco simbolizando paz e cura, o preto, absorção de conhecimento e o vermelho, atividade). Usa ainda fios de búzios (simbolizando sua relação íntima com a morte, pois aqui os búzios representam o destino) e lagdibá (colar feito de pequenas rodelas de chifre de búfalo ou de boi). Traz numa das mãos uma lança de ferro forjado e, na outra, o xaxará (uma espécie de feixe de palitos de dendezeiro, bordado com palha-da-costa e muitos búzios).
Esse instrumento tem sua preparação vedada a leigos por meio de proibições litúrgicas. O feixe composto de diversos elementos representa a coletividade. Entre os palitos há componentes secretos, que só os sacerdotes conhecem, e que contêm o axé de Omulu-Obaluaiê.
O xaxará simboliza a vassoura com que Omulu varre os homens, durante as epidemias, como se fossem folhas secas.
A dança de Omulu, chamada de opanijé, é lenta, com um pé fincado no chão enquanto o outro toca o solo de leve, demonstrando aflição e inquietação.
Dança curvado para frente próximo ao chão, imitando o sofrimento e os tremores de febre. Como controlador das almas dos mortos, tem como servo Exu Caveira que, como ele, mora nos cemitérios.
Seu vínculo com as doenças fez deste orixá o protetor da saúde daqueles que o cultuam. No dizer de Roger Bastide: "Ele espalha a bexiga, a devastação e a peste, mas deixa de lado, na sua faina destruidora, os filhos do continente africano. Ele protege com seu grande corpo dolorido, a saúde das criaturas de Olorún..."
Na África, o corpo e os bens dos que morriam de varíola passavam a pertencer aos sacerdotes de Omulu. Sua comida ritual consta de feijão com azeite de dendê, o galo e o bode; o abarem (espécie de bolo de milho enrolado em folha de bananeira e cozido apenas no vapor) e o latipá (folhas cozidas de mostarda).
Seu alimento predileto é a pipoca sem sal, estourada em areia (doburú), também chamada flor de Omulu. O peji de Omulu deve ser regado com sangue de um bode e de vários galos, em uma cerimônia em que se reverenciam também a Oxumaré e a Nana. Oxumaré é filho de Naná e irmão de Obaluaiê.
As festas em homenagem a Omulu são conhecidas por Obaluaié, Olubazé ou Olubajé e são realizadas em cabana confeccionada com folhas de dendezeiro, construída em frente ao seu peji. Os filhos desse orixá são discretos, dignos de confiança, estudiosos, tradicionalistas, conservadores, prestativos, caseiros, supersensíveis e dados à auto piedade.
Têm boa memória, guardando ressentimentos por muito tempo. Têm dificuldade em desenvolver sentimentos ligados à intimidade e por isso precisam de namoros longos. E, como namorados, são desajeitados. Quando magoados reagem trabalhando até a fadiga, para aliviar seu sofrimento emocional.
São sensíveis à beleza, educados e mantêm sempre uma postura de dignidade. Têm dificuldade de relacionamento e, de modo geral, aparentam mais idade e têm um ar de preocupação, andando cabisbaixos e mesmo resmungando. Por ser um orixá muito temido, sua saudação consiste em pedir-lhe calma: "Atotô".
No sincretismo religioso, como Obaluaiê, é identificado como São Roque ou São Lázaro; como Omuiu, como São Sebastião e Santo Isidoro.
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